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– Eu tenho que levar algumas tulipas para a cidade, você quer me ajudar?
Olhei para ele sem ânimo algum. Não achava diversão em arrancar flores, muito menos na companhia de alguém que quase não me lembrava.
– Acho que não. – neguei um pouco sem graça. – Não gosto de flores arrancadas.
– Como assim? – seus olhos refletiam uma curiosidade estranha.
– Bem, é cadavérico. – tentei explicar. – Você arranca uma flor para colocar em um vaso, e ficará vendo-a morrer um pouco a cada dia, falecendo em prestações macabras. – estremeci o corpo e apertei meus olhos. – Isso é insano! Não vejo beleza nisso.
– Mas é uma morte bela, não acha? – sondou ele.
– Não vejo beleza na morte, tio. – respondi rispidamente. – Jamais haverá beleza em algo que deixa de existir, principalmente por causa de sentimentos falhos, fracos e cheios de lacuna como o amor da grande maioria das pessoas. – inspirei cheia de certeza, desprendendo-me das convenções sociais. – Lugar de flor é na terra. Eu espero nunca receber um buquê de flores, prefiro que me presenteiem com um pacote de sementes, isso é prova de amor.
– Um pacote de sementes, Sofia? – perguntou com o mesmo tom que os céticos e sãs carregam quando tentam discutir com os loucos apaixonados.
Abri um sorriso cínico, torcendo o canto dos lábios.
– Uma flor arrancada não é prova de amor; é prova da morte do amor, informando que o sentimento tem data de validade, é perecível como tantas outras emoções e momentos românticos. – levei dois dedos até a minha testa e apertei com cuidado, acionando algum lugar especial em minha mente. – Mas as sementes simbolizam a continuidade do amor, mesmo quando a primavera passar. O amor deve ser cultivado diariamente, regado com paciência, carinho, compreensão, respeito, companheirismo, – eu ia fazendo uma lista em meus dedos, simploriamente – dedicação, cuidado. O amor não nasce belo como uma rosa comprada em uma floricultura qualquer, nasce feinho, cheio de defeitos, frágil, com possibilidades de jamais vingar. E por isso, é preciso de cada um que acredite no amor, se torne um jardineiro, proteja o amor dos agentes naturais que insistem em destruí-lo. O amor é uma flor, uma árvore, tanto faz… – afastei a continuidade com um leve lançar de mão – que necessita de responsabilidade e capacidade para alcançar o ápice da sua beleza. – lancei um olhar frio para meu tio, não com a intenção em incomodá-lo, mas por saber que minha cabeça vagava em cada palavra, refletindo a minha agonia. – Por isso, caro tio, o amor é uma dádiva para poucos, mesmo que todos sejam pré-fabricados para amar nem todos conseguem prolongar o amor.
— Trecho de “AS BORBOLETAS TAMBÉM CHORAM”