sábado, 12 de setembro de 2015

O Boicote aos ônibus de Montgomery



    O ônibus Cleveland Avenue das seis da tarde encostou no meio-fio e a pequena mulher afro-americana de 42 anos, de óculos sem aro e casaco marrom austero, subiu no veículo, pôs a mão na bolsa e jogou uma moeda de dez centavos na bandeja para pagar a passagem. 
   Era uma quinta-feira, 1o de dezembro de 1955, em Montgomery, Alabama, e ela acabara de cumprir um longo expediente na Montgomery Fair, a loja de departamentos em que trabalhava como costureira. O ônibus estava lotado e, por lei, as primeiras quatro fileiras de assentos eram reservadas para passageiros brancos. A área na qual os negros tinham permissão de sentar, no fundo, já estava cheia, e por isso a mulher — Rosa Parks — sentou-se numa fileira do meio, bem atrás da seção dos brancos, onde passageiros de qualquer raça podiam ocupar os assentos.
   Conforme o ônibus continuou seu trajeto, mais pessoas embarcaram. Em pouco tempo todas as fileiras estavam cheias, e algumas pessoas — incluindo um passageiro branco — estavam em pé no corredor, segurando-se numa barra. O motorista do ônibus, James F. Blake, vendo o homem branco em pé, gritou para que os passageiros negros na área em que Parks estava liberassem os assentos, mas ninguém se mexeu. Havia barulho dentro do ônibus. Eles talvez não tivessem ouvido. Blake encostou o veículo num ponto em frente ao Empire Theater na Montgomery Street e andou até lá atrás. “Melhor vocês facilitarem as coisas e liberarem esses assentos”, ele disse. Três dos passageiros negros se levantaram e foram para o fundo, porém Parks não saiu do lugar. Disse ao motorista que não estava na seção dos brancos, e além disso só havia um único passageiro branco em pé. 
   “Se você não levantar”, disse Blake, “vou chamar a polícia e mandar prender você”. 
   “Pode fazer isso”, disse Parks. 
  O motorista saiu e achou dois policiais. “Por que você não levanta?”, um deles perguntou a Parks depois que eles subiram no ônibus. 
   “Por que vocês nos tratam assim?”, ela disse. 
   “Não sei”, respondeu o policial. “Mas a lei é a lei e você está presa.” 
   Naquele momento, embora ninguém naquele ônibus soubesse disso, o movimento pelos direitos civis deu uma guinada. Essa pequena recusa foi a primeira de uma série de ações que transformaram a batalha das relações raciais, antes uma luta travada por ativistas em tribunais e assembleias legislativas, num embate cuja força viria de comunidades inteiras e de protestos em massa.
   Ao longo do ano seguinte, a população negra de Montgomery iria erguer-se e boicotar os ônibus da cidade, terminando seu protesto apenas quando a lei de segregação de raças nos transportes públicos fosse revogada. O boicote aleijaria financeiramente a empresa de ônibus, atrairia dezenas de milhares de protestantes para manifestações, apresentaria ao país um jovem líder carismático chamado Martin Luther King Jr. e deflagraria um movimento que se propagaria para Little Rock, Greensboro, Raleigh, Birmingham e, por fim, para o Congresso. Parks se tornaria uma heroína, agraciada com a Medalha Presidencial da Liberdade, e um brilhante exemplo de como um único ato de desafio pode mudar o mundo. 
  Mas isso é só parte da história. Rosa Parks e o boicote aos ônibus de Montgomery tornaram-se o epicentro da campanha pelos direitos civis não só devido a um ato individual de desafio, mas também a padrões sociais. As experiências de Parks são uma lição sobre o poder dos hábitos sociais — os comportamentos que ocorrem, sem pensar, entre dezenas, centenas ou milhares de pessoas, que muitas vezes são difíceis de enxergar quando surgem, mas que contêm um poder capaz de mudar o mundo. São os hábitos sociais que enchem as ruas de manifestantes que talvez não se conheçam, que talvez estejam marchando por motivos diferentes, mas que estão todos avançando na mesma direção. É por causa dos hábitos sociais que algumas iniciativas se tornam movimentos que mudam o mundo, enquanto outras não conseguem vingar. E motivo de os hábitos sociais terem tanta influência é porque, na raiz de muitos movimentos — sejam eles revoluções em grande escala ou simples flutuações nas igrejas que as pessoas frequentam —, há um processo em três estágios que historiadores e sociólogos dizem que sempre reaparece: Um movimento começa devido aos hábitos sociais de amizade e aos laços fortes entre conhecidos próximos. Ele cresce devido aos hábitos de uma comunidade e aos laços fracos que unem vizinhanças e clãs. 
   E ele perdura porque os líderes de um movimento dão aos participantes novos hábitos que criam um novo senso de identidade e um sentimento de propriedade. 
Geralmente, apenas quando todas as três partes desse processo são preenchidas é que um movimento pode se tornar autopropulsor e atingir uma massa crítica. Há outras receitas para a mudança social bem-sucedida, e centenas de detalhes que diferem entre uma época e outra e entre uma luta e outra. Mas entender como os hábitos sociais funcionam pode ajudar a explicar por que Rosa Parks e a cidade de Montgomery tornaram-se catalisadores de uma cruzada pelos direitos civis. 
Não era inevitável que o ato de rebeldia de Parks naquele dia de inverno resultasse em qualquer outra coisa além de sua prisão. Então os hábitos intervieram, e algo incrível aconteceu. 
   Rosa Parks não foi a primeira passageira negra a ser encarcerada por infringir as leis de segregação dos ônibus de Montgomery. Não foi nem a primeira naquele ano. Em 1946, Geneva Johnson tinha sido presa por retrucar com um motorista de ônibus de Montgomery sobre os assentos. Em 1949, Viola White, Katie Wingfield e duas crianças negras foram presas por sentarem na seção dos brancos e recusarem-se a mudar de lugar. Nesse mesmo ano, dois adolescentes negros de Nova Jersey (onde os ônibus eram integrados) que estavam ali de visita foram detidos e encarcerados após infringir a lei, sentando-se ao lado de um homem e um menino brancos. Em 1952, um policial de Montgomery matou com um tiro um homem negro quando este discutiu com um motorista de ônibus. Em 1955, meses antes de Parks ser levada para a prisão, Claudette Colvin e Mary Louise Smith foram presas em incidentes diferentes por se recusarem a dar lugar a passageiros brancos. 
   No entanto, nenhuma dessas prisões resultou em boicotes ou protestos. “Não havia muitos ativistas de verdade em Montgomery na época”, me disse Taylor Branch, historiador de direitos civis, vencedor do prêmio Pulitzer. “As pessoas não organizavam protestos nem marchas. O ativismo era algo que acontecia em tribunais. Não era algo que pessoas comuns fizessem.” 
   Por exemplo, quando o jovem Martin Luther King Jr. chegou a Montgomery em 1954, um ano antes da prisão de Parks, ele descobriu que a maioria dos negros da cidade aceitava a segregação “sem nenhum protesto aparente. Não só eles pareciam resignados à segregação em si; também aceitavam os maus-tratos e humilhações que vinham junto com ela”. 
   Então por que, quando Parks foi presa, as coisas mudaram? 
  Uma explicação é que o clima político estava mudando. No ano anterior, a Suprema Corte dos Estados Unidos tinha pronunciado o veredito do caso Brown vs. Conselho de Educação, decretando que a segregação era ilegal dentro de escolas públicas; seis meses antes da prisão de Parks, a Corte tinha promulgado o que viria a ser conhecido como Brown II — uma decisão ordenando que a integração das escolas deveria avançar “numa velocidade deliberada”. Havia em todo o país uma forte noção de que a mudança estava no ar. 
   Mas isso não é suficiente para explicar por que Montgomery se tornou o epicentro da luta pelos direitos civis. Claudette Colvin e Mary Louise Smith tinham sido presas logo depois do caso Brown vs. Conselho, e no entanto isso não deflagrou um protesto. O caso Brown, para muitos moradores de Montgomery, era uma abstração vinda de um tribunal distante, e não estava claro como — ou se — seu impacto seria sentido localmente. Montgomery não era Atlanta ou Austin ou uma das outras cidades onde o progresso parecia possível. “Montgomery era um lugar bem cruel”, disse Branch. “O racismo estava bem assentado ali.” 
   Quando Parks foi presa, no entanto, isso deflagrou algo incomum dentro da cidade. Rosa Parks, diferente de outras pessoas que tinham sido encarceradas por violar a lei da segregação nos ônibus, era profundamente respeitada e inserida em sua comunidade. Portanto, quando foi presa, isso pôs em movimento uma série de hábitos locais — os hábitos de amizade — que incitaram um protesto inicial. A participação de Parks em dezenas de redes sociais em toda a cidade de Montgomery permitiu que seus amigos empreendessem uma reação antes que a apatia normal da comunidade pudesse se instalar.
   A vida civil de Montgomery, na época, era dominada por centenas de pequenos grupos que formavam o tecido social da cidade. O Catálogo de Organizações Civis e Sociais da cidade era quase tão grosso quanto a lista telefônica. Ao que parecia, todo adulto — em especial, todo adulto negro — pertencia a algum tipo de clube, igreja, grupo social, centro comunitário ou organização de bairro, e muitas vezes a mais de um. E dentro dessas redes sociais, Rosa Parks era especialmente conhecida e estimada. “Rosa Parks era uma dessas raras pessoas sobre quem todos concordavam que dava mais do que recebia”, Branch escreveu em sua história do movimento pelos direitos civis, Parting the Waters [Dividindo as águas]. “Seu caráter representava um dos picos isolados no gráfico da natureza humana, compensando uma dezena ou mais de sociopatas.” As muitas amizades e afiliações de Parks atravessavam as fronteiras raciais e econômicas da cidade. Ela era secretária da divisão local do NAACP,9 frequentava a igreja metodista e ajudava a supervisionar uma organização de jovens na igreja luterana perto de sua casa. Passava alguns fins de semana fazendo trabalho voluntário num abrigo, outros num clube de botânica, e nas noites de quarta-feira muitas vezes juntava-se a um grupo de mulheres que tricotavam cobertores para um hospital local. Fazia serviços voluntários de costureira para famílias pobres e oferecia alterações de vestido de última hora para debutantes brancas ricas. Na verdade, ela era tão profundamente inserida na comunidade que seu marido reclamava que ela comia mais em jantares comunitários do que em casa.
   De modo geral, dizem os sociólogos, a maioria de nós tem amigos que são parecidos conosco. Talvez tenhamos uns poucos conhecidos próximos que são mais ricos, uns poucos que são mais pobres, e uns poucos de raças diferentes — mas, no total, nossos relacionamentos mais profundos tendem a ser com pessoas de aparência semelhante à nossa, que ganham mais ou menos o mesmo que nós e vêm de contextos similares.
   Os amigos de Parks, no entanto, espalhavam-se pelas hierarquias sociais e econômicas de Montgomery. Ela tinha o que os sociólogos chamam de “laços fortes” — relacionamentos em primeira mão — com dezenas de grupos de toda a cidade que geralmente não entravam em contato uns com os outros. “Isso foi absolutamente crucial”, disse Branch. “Rosa Parks transcendia as estratificações sociais da comunidade negra e de Montgomery como um todo. Ela era amiga de lavradores e de professores universitários.”
   E o poder dessas amizades tornou-se visível assim que Parks foi parar na cadeia. 
   Rosa Parks telefonou da delegacia para a casa dos pais. Ela estava em pânico, e sua mãe — que não tinha ideia do que fazer — começou a folhear um catálogo mental dos amigos de Parks, tentando pensar em alguém que talvez pudesse ajudar. A mãe ligou para a mulher de E. D. Nixon, o antigo diretor da NAACP de Montgomery, que por sua vez ligou para seu marido e lhe disse que Parks precisava ser libertada sob fiança. Ele imediatamente concordou em ajudar e telefonou para um proeminente advogado branco chamado Clifford Durr, que conhecia Parks porque ela fizera bainha de vestidos para suas três filhas.
   Nixon e Durr foram até a prisão, pagaram a fiança de Parks e a levaram para casa. Eles vinham procurando o caso perfeito para desafiar as leis de segregação dos ônibus de Montgomery e, sentindo uma oportunidade, perguntaram a Parks se ela estaria disposta a deixar que eles contestassem sua prisão judicialmente. O marido de Parks foi contra a ideia. “Os brancos vão te matar, Rosa”, ele disse a ela. 
   Mas Parks passara anos trabalhando com Nixon na NAACP. Frequentara a casa de Durr e ajudara suas filhas a se preparar para bailes de debutantes. Seus amigos agora estavam lhe pedindo um favor.
  “Se vocês acham que isso vai significar alguma coisa para Montgomery e fazer algum bem”, ela disse a eles, “fico feliz em colaborar”. 
   Naquela noite — umas poucas horas após ela ser detida — a notícia da prisão de Parks começou a se espalhar pela comunidade negra. Jo Ann Robinson, presidente de um poderoso grupo político de professores e amiga de Parks de diversas organizações, ficou sabendo do ocorrido, assim como muitos dos professores do grupo de Robinson e muitos dos pais de seus alunos. Por volta da meianoite, Robinson convocou uma reunião extraordinária e sugeriu que todos boicotassem os ônibus da cidade na segunda-feira, dali a quatro dias, quando Parks deveria comparecer ao tribunal. 
  Depois disso, Robinson entrou discretamente na sala do mimeógrafo de seu escritório e fez cópias de um panfleto.
  “Outra mulher negra foi detida e jogada na cadeia por se recusar a levantar de seu assento no ônibus para que uma pessoa branca sentasse”, dizia o panfleto. “O caso dessa mulher será julgado na segunda-feira. Estamos, portanto, pedindo que todos os negros deixem de pegar ônibus na segunda-feira, em protesto contra a prisão e o julgamento.”
   Logo na manhã seguinte, Robinson deu pilhas dos panfletos a alguns professores e pediu que eles os distribuíssem aos pais e colegas. Menos de 24 horas após Parks ser detida, a notícia de sua prisão e do boicote já se espalhara para algumas das comunidades mais influentes da cidade — a NAACP local, um grande grupo político, uma série de professores negros e os pais de seus alunos. Muitas das pessoas que receberam um panfleto conheciam Rosa Parks pessoalmente — tinham sentado ao lado dela na igreja ou numa reunião de voluntários e a consideravam uma amiga. Há um instinto natural embutido na amizade, uma simpatia que nos torna dispostos a lutar por alguém de quem gostamos quando esse alguém é tratado injustamente. Estudos mostram que as pessoas não têm dificuldade de ignorar ofensas feitas a estranhos, porém quando um amigo é insultado, nosso senso de revolta é suficiente para superar a inércia que geralmente dificulta a organização de protestos. Quando os amigos de Parks ficaram sabendo de sua prisão e do boicote, os hábitos sociais de amizade — a inclinação natural de ajudar alguém que respeitamos — entraram em ação.
   O primeiro movimento em massa da era moderna dos direitos civis poderia ter sido deflagrado por inúmeras prisões anteriores. Mas ele começou com Rosa Parks porque ela possuía um grupo grande, diversificado e conectado de amigos — que, quando ela foi presa, reagiram como os amigos naturalmente reagem, seguindo os hábitos sociais de amizade e concordando em demonstrar seu apoio. 
   Ainda assim, muitos esperavam que o protesto não seria nada mais que um evento de um único dia. Pequenos protestos surgem todo dia no mundo inteiro, e quase todos esmorecem rapidamente. Ninguém tem amigos suficientes para mudar o mundo. 
   E é por isso que o segundo aspecto dos hábitos sociais dos movimentos é tão importante. O boicote aos ônibus de Montgomery tornou-se uma ação disseminada na sociedade porque um senso de obrigação que mantinha a comunidade negra unida foi ativado logo após os amigos de Parks começarem a espalhar a notícia. Pessoas que mal conheciam Rosa Parks decidiram participar devido à pura pressão social dos conhecidos — uma influência conhecida como “o poder dos laços fracos” —, que tornava difícil deixar de colaborar. 
   Na manhã seguinte após ter pago a fiança para que Rosa Parks saísse da prisão, E. D. Nixon deu um telefonema para o novo pastor da Dexter Avenue Baptist Church, Martin Luther King Jr. Eram cinco e pouco da manhã, mas Nixon não disse olá nem perguntou se tinha acordado a filha de 2 anos de King quando o pastor atendeu — ele simplesmente desembestou num relato da prisão de Parks, de como ela tinha sido arrastada até a cadeia por se recusar a ceder o assento, e os planos deles para lutar judicialmente pelo caso dela e boicotar os ônibus da cidade na segunda-feira. Na época, King tinha 26 anos de idade. Morava em Montgomery havia apenas um ano e ainda estava tentando entender qual era seu papel dentro da comunidade. Nixon estava pedindo o endosso de King, além da permissão de usar sua igreja para fazer uma reunião sobre o boicote naquela noite. King estava receoso de se envolver demais. “Irmão Nixon”, ele disse, “me deixe pensar a respeito e me ligue de volta”. 
   Mas Nixon não parou por aí. Ele contatou um dos amigos mais próximos de King — um dos mais fortes dentre os laços fortes de King —, chamado Ralph D. Abernathy, e pediu que ele o ajudasse a convencer o jovem pastor a participar. Poucas horas depois, Nixon ligou para King de novo.
   “Vou colaborar”, King lhe disse. 
  “Fico feliz de ouvir você dizer isso”, respondeu Nixon, “porque já falei com outras 18 pessoas e disse para elas se reunirem na sua igreja hoje à noite. Seria meio ruim fazer uma reunião ali sem você”. King logo foi recrutado para atuar como presidente da organização que surgira para coordenar o boicote. 
   No domingo, três dias após a prisão de Parks, os pastores negros da cidade — depois de falar com King e com outros membros da nova organização — explicaram para suas congregações que todas as igrejas de negros da cidade tinham concordado em fazer um protesto de um dia. A mensagem era clara: ficar olhando de fora seria constrangedor para qualquer congregado. Naquele mesmo dia, o jornal da cidade, o Advertiser, trazia um artigo sobre “uma reunião ‘ultraconfidencial’ de negros de Montgomery que planejam um boicote aos ônibus da cidade na segunda-feira”. O repórter conseguira cópias de panfletos que mulheres brancas tinham recebido de suas empregadas domésticas. As partes negras da cidade estavam “cobertas de milhares de cópias” dos panfletos, explicava o artigo, e previa-se que todos os cidadãos negros iam participar. Quando o artigo foi escrito, só os amigos de Parks, os pastores e os organizadores do boicote tinham se comprometido publicamente com o protesto — mas depois que os moradores negros da cidade leram o jornal, eles assumiram, assim como os leitores brancos, que todos os outros já estavam participando. 
   Muitos dos que estavam nos bancos de igreja ou lendo os jornais conheciam Rosa Parks pessoalmente e estavam dispostos a participar do boicote porque eram amigos dela. Outros não conheciam Parks, porém perceberam que a comunidade estava se unindo em prol da causa dela, e que se fossem vistos andando de ônibus na segunda-feira, isso pegaria mal. “Se você trabalha”, dizia um panfleto distribuído nas igrejas, “pegue um táxi, ou peça uma carona, ou vá a pé”. Então todo mundo ouviu dizer que os líderes do boicote tinham convencido — ou intimidado à força — todos os motoristas de táxi negros a concordar em levar passageiros negros na segunda-feira por dez centavos a viagem, o preço de uma passagem de ônibus. Os laços fracos da comunidade estavam aproximando todo mundo. Naquele ponto, ou você estava no boicote ou era contra ele. 
   Na manhã da segunda-feira do boicote, King acordou antes de o sol nascer e tomou seu café. Sua mulher, Coretta, ficou sentada na janela da frente e esperou o primeiro ônibus passar. Ela gritou quando viu os faróis do ônibus da linha South Jackson, normalmente cheio de empregadas domésticas a caminho do trabalho, passando sem nenhum passageiro. O ônibus seguinte também estava vazio. E o seguinte também. King pegou seu carro e começou a dirigir pela cidade, conferindo outros itinerários. Em uma hora, ele contou oito passageiros negros. Uma semana antes, teria visto centenas.
   “Eu fiquei extasiado”, ele escreveu depois. “Um milagre tinha acontecido .(…) Viram-se homens indo trabalhar montados em mulas, e havia mais de uma carroça puxada por cavalos percorrendo as ruas de Montgomery .(…) Espectadores tinham se juntado nos pontos de ônibus para ver o que estava acontecendo. No começo ficaram quietos, mas conforme o dia foi passando, eles começaram a comemorar os ônibus vazios, dar risadas e fazer piadas. Ouviamse jovens barulhentos fazendo um coro de ‘Hoje não tem passageiros’.”
   Naquela tarde, num tribunal da Church Street, Rosa Parks foi condenada por violar as leis estaduais de segregação. Havia mais de quinhentos negros apinhados nos corredores e parados na frente do prédio, aguardando o veredito. O boicote e a concentração improvisada no tribunal foram o evento de ativismo político negro mais significativo da história de Montgomery, e tudo aquilo se armara em cinco dias. O movimento começara entre os amigos próximos de Parks, mas ganhou força, como King e outros participantes disseram depois, devido a um senso de obrigação entre a comunidade — os hábitos sociais dos laços fracos. A comunidade foi pressionada a manter-se unida pelo medo de que qualquer pessoa que não participasse não seria mais digna de amizade. 
   Há muitas pessoas que teriam participado do boicote mesmo sem este incentivo. King, os taxistas e as congregações talvez tivessem feito as mesmas escolhas sem a influência dos laços fortes e fracos. Porém dezenas de milhares de pessoas da cidade inteira não teriam decidido deixar de pegar ônibus sem o incentivo dos hábitos sociais. “A comunidade negra, antes dormente e resignada, agora estava totalmente desperta”, King escreveu depois. 
   Estes hábitos sociais, no entanto, não eram fortes o bastante por si sós para estender um boicote de um único dia num movimento de um ano inteiro. Dentro de poucas semanas, King estaria abertamente receoso de que a perseverança das pessoas estava enfraquecendo, que “a capacidade da comunidade negra de continuar lutando” estava em xeque. 
  E então estes receios se dissipariam. King, como milhares de outros líderes de movimento, transferiria o comando da luta de suas próprias mãos para os ombros de seus seguidores, em grande parte conferindo-lhes novos hábitos. Ele ativaria a terceira parte da fórmula do movimento, e o boicote se formaria numa força autopropulsora.  


Retirado do Livro O Poder do Hábito - Charles Duhigg