"Talvez ele não saiba que aquela dor que ele causou, calou os
olhos dela violentamente por uns tempos. Isso não é crime, é carma: magoar
alguém assim, dentro do melhor vestido, remover com lágrimas o rímel
cuidadosamente passado, deixar tão descrente alguém que achava a vida mágica…
[…] Talvez ele nem imagine que ela parou de sair com os
amigos[…] e escreveu vinte e nove cartas sobre a raiva e nunca enviou porque
era moça espiritualista e tinha que manter o discurso saudável do “isto também
passará”.
Talvez ele nunca saiba que ela […] pensou em mudar de curso,
de profissão, de cidade. Quis mudar de si, já que seu corpo era a casa de um só
sentimento. Fez uma viagem, não quis conhecer ninguém, posou de antipática
porque estava apática.[…] Trancou todas as portas pra não entrar qualquer
ilusão. Por tanto tempo era ela e sua tristeza intransitiva.
O que ele também não sabe porque nem ela sabia, é que um dia
ela acordaria assim, vazia daquele amor. A dor exaustiva de cabeceira havia
cessado, deixada no fundo do poço. Parou de se alimentar daquela porção
individual de desilusão e enterrou o passado num túmulo desconhecido, para que
não houvesse a menor possibilidade de revisitá-lo.
Havia criado um mantra: No momento em que me dei inteira, ele
me deu as costas. Isso não pode continuar supervalorizando uma saudade. Ser uma
mulher curada de um amor, dependendo das circunstâncias, pode ser melhor que
ser uma mulher amada… por ele.
E o seu melhor vestido pedia uma nova chance e um rímel à
prova d’água."
- Marla de Queiroz
#tão eu, que acabei mudando de curso, de profissão, de cidade :(
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